sábado, 2 de junho de 2012

CHUPA-CABRAS


Em uma das mãos, Ricardo segurava um par de luvas cirúrgicas. Ajoelhado, examinava uma cabra grávida de 5 meses deitada semi-inconsciente sobre o feno de uma cocheira. Era terça-feira, onze e dez da noite:

-Bem “Seu” Alceu, não será preciso levá-la para a clínica, não foi nada grave.

Estava ali junto ao veterinário, o dono da fazenda, um homem de sessenta anos que em pé, apoiando as mãos sobre os joelhos, conferia tudo de perto.

-Ainda bem doutor, prenha desse jeito não tinha nada que pular aquela cerca. Não sei o que a deixou tão assustada. Quando cheguei aqui os outros animais estavam numa barulheira que só vendo.

-Por enquanto vou recomendar repouso e vitaminas. Dei-lhe uma dose de calmante natural. Se houver sangramento me ligue imediatamente.

Caminhava rumo á saída da cocheira:

-Quanto vai custar, doutor?

-Desse jeito você me ofende, essa cabra é tão minha quanto sua.

-Tá bom “Seu” Ricardo, pelo menos vamos tomar um cafezinho comigo.

-Outro dia. Já é noite alta e daqui até a cidade não levo menos que quarenta minutos.

-O moço posa aqui, vou pedir pra Rosa arrumar o quarto de hóspede.

-Não precisa se incomodar, ”Seu” Alceu amanhã tenho uma esterilização pra fazer logo cedo.Obrigado.

Ricardo entrou no veículo e ligando a ignição gritou :

-Dê um abraço em dona Rosa por mim.

A rodovia estava deserta. Vez ou outra Ricardo era surpreendido por “flashs” de outros carros que o ultrapassava. A penumbra só era aliviada pelo céu coberto de estrelas. Ao longe dava pra ver algum ponto luminoso no meio do mato, eram as luzes dos sítios ao longo da rodovia.

O barulho do motor do carro era um hino a sonolência, então Ricardo fez um zigue-zague na pista, o cantar dos pneus o trouxe a realidade. Ligou o rádio para despertar-se: estava tocando”Two Collors”, uma antiga canção de Cindy Lawper.

Um par de olhos ofuscantes cegou-lhe:

-Droga de faróis altos!

Com os olhos nublados viu algo pelo retrovisor.”Pássaros” -pensou-. Ali deveria estar cheio de pássaros adoradores da noite.

Colocou um cigarro na boca.Tateou os bolsos a procura do isqueiro.

-Aonde será que coloquei?

Abaixou-se para procura-lo no assoalho do automóvel, mas ao se levantar deparou-se com a figura mais sinistra que já vira em toda sua vida. Bem do lado de fora da janela do motorista, aquilo que parecia ser uma fera embaçou o vidro do carro com sua respiração ofegante.

Tinha quase três metros de altura, a boca protuberante, estava repleta de dentes afiados. Possuía um filamento de espinhos gigantes que iniciando no alto da cabeça seguia em linha até o que seria a cauda do monstro.

Com o susto, Ricardo jogou o carro no acostamento quase vindo despencar num barranco que seguia a pista. Equilibrou-se ao manobrar rapidamente o veículo. Com o coração quase a lhe sair pela boca, a respiração descontrolada e os olhos vidrados eram típicos de um medo avassalador:

-Deus me ajuda...me ajuda...

O velocímetro indicava 120 kilômetros por hora e a criatura ainda estava pareada ao carro. A um golpe de cabeça o monstro arremessou o carro para fora da pista exigindo de Ricardo mais uma manobra difícil só que desta vez conseguiu impedir que o veículo se embrenhasse num matagal onde certamente seria facilmente pego pela fera.

140 kilômetros. O monstro rugiu como se estivesse zangado com a caça que teimava em fugir.Ricardo ouviu o som das garras da fera arranhando a lateral do carro.

160 kilômetros.Quanto mais acelerava mais tinha a sensação de retroceder, por isso não percebeu que havia deixado a besta pra trás.Um tempo depois não via mais sinal dela no retrovisor:

-Consegui me livrar daquilo!

O suor lhe escorria pelo rosto, pelas costas e por entre as coxas. As mãos grudadas no volante, lhe doíam, os olhos exageradamente abertos iam para todas as direções a procura do caçador.

Ao longe avistou luzes amarelas.Era a polícia rodoviária, acelerou. Parou o carro, saltou dele como se fosse um náufrago, as pernas não lhe obedeciam:

-Por favor...alguém me ajude.

O policial rodoviário ouvia música sertaneja num radinho á pilha, desligou assim que avistou Ricardo. “Seria algum acidente?”.

-Lá trás...lá trás – repetia neuroticamente o veterinário.

-Calma rapaz, respire fundo não estou conseguindo entender nada. –confortou o policial.

Ricardo curvou- se apoiando nos joelhos, procurou pela respiração.

-Isso, agora me conte de devagar o que aconteceu.  -insistiu o militar

-Um monstro...eu consegui me livrar dele lá trás...era muito...muito veloz e...

O policial estático, de olhos arregalados ouvia o que Ricardo dizia.

-Por favor, acredite em mim...eu vi...é um monstro.

O homem se afastou do veterinário e enxugou o suor que começou a lhe escorrer da testa. De costas para Ricardo e olhando em direção a rodovia falou:

-Entre no posto rodoviário, vou pedir reforço.

-Acredita em mim não é mesmo.O que eu digo é a mais pura verdade.

-Eu acredito. -disse enfim o oficial.

Por sobre os ombros, num sorriso enigmático o militar questionou:

-E você?...Acredita em chupa-cabras?




ROSILÉIA ROBERTO








2 comentários:

  1. Conto muito bacana sobre essa figura já mitológica da nossa cultura interiorana. Eu é que não quero ver o bicho!

    Abraço, Rosi.

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  2. É só não andar de madrugada pela rodovia!!!rsrss

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