Em uma das mãos, Ricardo segurava um par de luvas
cirúrgicas. Ajoelhado, examinava uma cabra grávida de 5 meses deitada
semi-inconsciente sobre o feno de uma cocheira. Era terça-feira, onze e dez da
noite:
-Bem
“Seu” Alceu, não será preciso levá-la para a clínica, não foi nada grave.
Estava
ali junto ao veterinário, o dono da fazenda, um homem de sessenta anos que em
pé, apoiando as mãos sobre os joelhos, conferia tudo de perto.
-Ainda
bem doutor, prenha desse jeito não tinha nada que pular aquela cerca. Não sei o
que a deixou tão assustada. Quando cheguei aqui os outros animais estavam numa
barulheira que só vendo.
-Por
enquanto vou recomendar repouso e vitaminas. Dei-lhe uma dose de calmante
natural. Se houver sangramento me ligue imediatamente.
Caminhava
rumo á saída da cocheira:
-Quanto
vai custar, doutor?
-Desse
jeito você me ofende, essa cabra é tão minha quanto sua.
-Tá
bom “Seu” Ricardo, pelo menos vamos tomar um cafezinho comigo.
-Outro
dia. Já é noite alta e daqui até a cidade não levo menos que quarenta minutos.
-O
moço posa aqui, vou pedir pra Rosa arrumar o quarto de hóspede.
-Não
precisa se incomodar, ”Seu” Alceu amanhã tenho uma esterilização pra fazer logo
cedo.Obrigado.
Ricardo
entrou no veículo e ligando a ignição gritou :
-Dê
um abraço em dona Rosa por mim.
A
rodovia estava deserta. Vez ou outra Ricardo era surpreendido por “flashs” de
outros carros que o ultrapassava. A penumbra só era aliviada pelo céu coberto
de estrelas. Ao longe dava pra ver algum ponto luminoso no meio do mato, eram
as luzes dos sítios ao longo da rodovia.
O
barulho do motor do carro era um hino a sonolência, então Ricardo fez um
zigue-zague na pista, o cantar dos pneus o trouxe a realidade. Ligou o rádio
para despertar-se: estava tocando”Two Collors”, uma antiga canção de Cindy
Lawper.
Um
par de olhos ofuscantes cegou-lhe:
-Droga
de faróis altos!
Com
os olhos nublados viu algo pelo retrovisor.”Pássaros” -pensou-. Ali deveria
estar cheio de pássaros adoradores da noite.
Colocou
um cigarro na boca.Tateou os bolsos a procura do isqueiro.
-Aonde
será que coloquei?
Abaixou-se
para procura-lo no assoalho do automóvel, mas ao se levantar deparou-se com a
figura mais sinistra que já vira em toda sua vida. Bem do lado de fora da
janela do motorista, aquilo que parecia ser uma fera embaçou o vidro do carro
com sua respiração ofegante.
Tinha
quase três metros de altura, a boca protuberante, estava repleta de dentes
afiados. Possuía um filamento de espinhos gigantes que iniciando no alto da
cabeça seguia em linha até o que seria a cauda do monstro.
Com
o susto, Ricardo jogou o carro no acostamento quase vindo despencar num
barranco que seguia a pista. Equilibrou-se ao manobrar rapidamente o veículo.
Com o coração quase a lhe sair pela boca, a respiração descontrolada e os olhos
vidrados eram típicos de um medo avassalador:
-Deus
me ajuda...me ajuda...
O
velocímetro indicava 120 kilômetros por hora e a criatura ainda estava pareada
ao carro. A um golpe de cabeça o monstro arremessou o carro para fora da pista
exigindo de Ricardo mais uma manobra difícil só que desta vez conseguiu impedir
que o veículo se embrenhasse num matagal onde certamente seria facilmente pego
pela fera.
140
kilômetros. O monstro rugiu como se estivesse zangado com a caça que teimava em
fugir.Ricardo ouviu o som das garras da fera arranhando a lateral do carro.
160
kilômetros.Quanto mais acelerava mais tinha a sensação de retroceder, por isso
não percebeu que havia deixado a besta pra trás.Um tempo depois não via mais
sinal dela no retrovisor:
-Consegui
me livrar daquilo!
O
suor lhe escorria pelo rosto, pelas costas e por entre as coxas. As mãos
grudadas no volante, lhe doíam, os olhos exageradamente abertos iam para todas
as direções a procura do caçador.
Ao
longe avistou luzes amarelas.Era a polícia rodoviária, acelerou. Parou o carro,
saltou dele como se fosse um náufrago, as pernas não lhe obedeciam:
-Por
favor...alguém me ajude.
O
policial rodoviário ouvia música sertaneja num radinho á pilha, desligou assim
que avistou Ricardo. “Seria algum acidente?”.
-Lá
trás...lá trás – repetia neuroticamente o veterinário.
-Calma
rapaz, respire fundo não estou conseguindo entender nada. –confortou o
policial.
Ricardo
curvou- se apoiando nos joelhos, procurou pela respiração.
-Isso,
agora me conte de devagar o que aconteceu. -insistiu o militar
-Um
monstro...eu consegui me livrar dele lá trás...era muito...muito veloz e...
O
policial estático, de olhos arregalados ouvia o que Ricardo dizia.
-Por
favor, acredite em mim...eu vi...é um monstro.
O
homem se afastou do veterinário e enxugou o suor que começou a lhe escorrer da
testa. De costas para Ricardo e olhando em direção a rodovia falou:
-Entre
no posto rodoviário, vou pedir reforço.
-Acredita
em mim não é mesmo.O que eu digo é a mais pura verdade.
-Eu
acredito. -disse enfim o oficial.
Por
sobre os ombros, num sorriso enigmático o militar questionou:
-E
você?...Acredita em chupa-cabras?
ROSILÉIA ROBERTO
ROSILÉIA ROBERTO
Conto muito bacana sobre essa figura já mitológica da nossa cultura interiorana. Eu é que não quero ver o bicho!
ResponderExcluirAbraço, Rosi.
É só não andar de madrugada pela rodovia!!!rsrss
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