domingo, 29 de abril de 2012

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   Dona Silvana HORSEWOLF de 52 anos morava num bairro afastado do centro de Florianópolis em Santa Catarina. Ela levava uma vida pacata, quase monótona. Os filhos, três homens e uma mulher, já estavam todos casados e haviam lhe dado muitos netos.
  Vivia ela, o esposo Georges e seu cachorrinho Lilico numa casa que sempre reclamava para o marido que era grande demais para os três. O marido, já aposentado, por sua vez, não se importava com as reclamações da mulher; seu passatempo era ficar na grande garagem que construíra com madeira de lei e ficar lá esperando a noite chegar enquanto bebia seu mate.
  Seu Georges fazia pequenos consertos em residências. Fazia essas tarefas muito mais por distração do que por pura necessidade. Aposentado após muitos anos trabalhando como eletricista industrial era um homem que aprendera a viver pelo trabalho.
  Quando Georges saía de manhã para a labuta, Dona Silvana já estava de pé a horas e as oito da manhã todas as tarefas de casa haviam sido realizadas, então pegava sua cesta de crochê e sentava próximo ao seu fogão de lenha com Lilico cochilando a seus pés no som do vaivém da cadeira de balanço.
  Mas aconteceu que um dia D. Silvana resolveu se levantar mais cedo do que de costume, despachou o marido para o serviço, arrumou toda a casa, pegou um pedaço de papel e começou a tracejar a planta de uma casa. No começo era uma casa pequena com dois quartos apenas, depois insatisfeita colocou logo mais cômodos, mas todos eles pequenos e bem separados.
   Depois de terminada a planta da casa, Dona Silvana foi à procura de um lugar apropriado para a construção da casa. Encontrou o lugar ideal no alto de uma grande pedra ao qual dava pra ver quase toda as praias de lá de cima.
   Dona Silvana sempre acompanhada de perto por Lilico, que ia fazendo a festa por onde passava, começou a procurar por pedaços de madeira ora em madeireira ora em meio de matas. Os cipós eram usados para as amarras.
   Um dia Seu Georges resolveu aparecer mais cedo em casa para o almoço. Já esperava uns trinta minutos pela mulher quando a viu chegar toda desarrumada e com os sapatos todos sujos de lama. Pega de surpresa, D. Silvana não encontrou nada melhor a dizer ao marido e foi falando apenas estar construindo uma casa de cachorro no alto do morro.
  Seu Georges olhou para Lilico e para a dona dele e perguntou a ela se o cachorro havia aprontado alguma coisa. Ela respondeu que não havia nada de errado com Lilico que seria apenas uma precaução.
  O marido, é claro, achou tudo muito esquisito e foi pedir a filha para que passasse a visitar mais a mãe que não a deixasse tão sozinha, atribuiu a solidão a causa de tanta esquisitisse. A filha achou apenas engraçado.
  Depois que a filha passou-lhe alguns sermões, D. Silvana procurou ser mais cautelosa, realizava sua tarefa de construtora alguns dias na semana, procurava chegar em casa melhor arrumada para não dar nas vistas. Ela era uma mulher sóbria, até introspectiva muitas vezes, um pouco pela personalidade outro pelo gene escandinavo.
  Meses depois a obra já estava pronta. A catarinense estava muito satisfeita consigo mesma, pois jamais pensou que pudesse construir algo além das toalhinhas de crochê. Mas sentiu que faltava algo e que ainda tinha tempo de sobra, então passou a fazer os móveis da casa: mesas, cadeiras, camas de maneira bem rústica é verdade, mas que seriam bem aproveitados.
  Com aqueles já prontos pensou então nos provimentos. Passou a guardar banha de porco, batatas... Lembrava do que o pai lhe dizia sobre a segunda grande guerra mundial.
  Depois de algum tempo a chuva chegou e D.Silvana passou apenas a esperar. Sentada em sua cadeira de balanço apoiava o queixo numa das mãos e ficava a olhar pela janela, acompanhada por Lilico. Ele, no entanto mais ansioso do que ela.
  E aconteceu que Lilico, após passar o dia todo choramingando mais que a chuva que batia nas janelas, correu por debaixo do portão de entrada e sumiu. A dona passara o dia todo procurando por ele, mas quando anoiteceu chamou pelo marido e pediu para que pegasse apenas seus objetos de valor, pois sairiam sem demora.
  É Claro que o marido não a levou a sério e continuou assistindo seu jornal pela tv. D.Silvana ligou para cada um dos filhos lhes pedindo que fossem até sua casa urgentemente. Todos compareceram aflitos esperando o pior. Quando D.Silvana lhes pediu para que arrumassem seus pertences, pois iriam fugir da chuva, todos riram da atitude da mãe e voltaram para suas casas inconformadas por terem, segundo eles, perdido tempo à toa.
  D. Silvana havia recebido como herança uma carabina de seu Pai que era colecionador de armas. Há muito tempo ela estava enroscada nas teias de aranha no porão de sua casa. D. Silvana a arrancou da parede e pensando que assim se fizesse ouvir. Não estava carregada. As balas o pai dera um sumiço. Apenas o susto intimidaria a todos, acreditava ela.
  A chuva caía sem piedade e D. Silvana saiu pelas ruas enlameadas pela terra que caia da encosta. batendo de porta em porta avisando para que todos os seus vizinhos a seguissem que fossem se juntar a ela no alto da Pedra. Muitos riram e agradeceram sarcásticamente o aviso, muitos outros, minutos depois resolveram acompanhá-la, esses, no entanto eram mães como ela também.
  Já era noite alta quando D.Silvana bateu na porta do primeiro filho, visto que todos moravam a poucos quarterões uns dos outros. Armada com a carabina ela não pediu, ordenou que a acompanhassem, vendo que o filho vacilava usou a voz firme que a caracterizava como mãe disciplinadora.
  Enfim todos os seus foram se reunindo a porta de sua casa onde alguns vizinhos também a esperavam. Recomendada por ela que levassem apenas o principal, como dinheiro, documentos e cobertores se preparavam para subir o morro quando o marido interveio:
-Silvana onde você está com a cabeça? Olha quanta criança pra subir esse morro na chuva e a essa hora da noite, vamos ao menos esperar amanhecer.
-Se ficarmos aqui, pra nós, não haverá amanhecer. Põe você na frente que é homem mais velho e guie caminho pra gente passar.
-E quem vai me guiar?
-Lilico! Apontando para o cachorro que aparecia nadando no meio da enxurrada.
Horas depois após uma subida difícil e perigosa guiada pelo cachorro Lilico. Um dos filhos de D. Silvana se revoltara:
-Pra mim já chega isso é loucura daqui a pouco amanhece tenho que ir para o trabalho e ainda estou acordado, correndo o risco de um dos meus filhos caírem nessa mata. Desisto. Eu, minha mulher e meus filhos vamos voltar daqui.
-Pois volte você e deixe teus filhos, se não te salvares ao menos salvo teus descendentes.
  O moço se assustara com o tom profético da mãe e após alguns minutos alcançou novamente a caravana.
  O grupo chegara ao alto da pedra e ficaram surpresos ao verem a casa tão bem estruturada e iluminada por lampiões onde podiam se aconchegarem sem dificuldades. D. Silvana acendera o fogão a lenha para aquecer o ambiente e como estavam sujos de lama a mesma água da chuva que os acompanharam até ali era esquentada para banho em várias tinas que D. Silvana construíra para aquele momento.
  Quando Seu Georges acordou viu que D. Silvana não estava ao seu lado, a viu olhando pela janela com o semblante carregado de quem dormira pouco.
-Georges, acorde teus filhos e vá até a nossa antiga vila. Vá ver se mais alguém precisa de ajuda.
  Seu Georges acordou os seus três filhos homens e depois de tomarem o café desceram o morro, duas horas depois voltaram desolados. Não havia mais vila. Traziam, porém uns garotos que conseguiram sobreviver a avalanche de terra que levara suas famílias.
  Os garotos foram tão bem acolhidos como se fossem os entes queridos que muitos dali haviam deixado para trás. Os homens do grupo fizeram outras incursões a fim de resgatarem mais vítimas, não puderam fazer muita coisa, pois também estavam isolados.
 Ao findar de uma semana e já com pouco alimento o filho foi se queixar a D. Silvana:
-Vamos morrer de fome mãe, o que temos não passa de hoje.
- Deus não salvou tanta gente para que morresse de fome, meu filho. Hoje mesmo Ele virá nos buscar. -Disse ela
- Me desculpe ,minha mãe, por ter sido tão incrédulo. Foi Deus quem avisou a senhora?
-Deus é a natureza. Eu apenas observei os sinais que Ele enviava através dos animais: primeiro um passarinho abandonou o ninho que fizera na garagem lá de casa antes de terminá-lo. Lilico, nosso cãozinho vivia choramingando quase deprimido pela casa...
-Sim, mas e a casa que construiu? Como soube que precisava construir?- Perguntou o filho.
-Sabe aquelas florezinhas que eu adorava colher na mata quando subíamos o morro para pegar gravetos?
-Lembro, elas só dão no alto do morro.
-Pois é, um dia as encontrei no fundo do nosso quintal em meio ao mato trazidos do alto do morro.
Naquele mesmo dia um helicóptero da força aérea brasileira resgatava D.Silvana e seus sobreviventes.




FIM









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